Alessandro Di Bussolo – Vatican News
Um Papa, como Francisco, que como cardeal argentino sentiu “cansaço” pela “insistência com que os bispos brasileiros falavam dos grandes problemas da Amazônia” na conferência de Aparecida e como bispo não entendia qual era o seu papel em relação à “saúde do pulmão verde do mundo”. E um agnóstico, ex-comunista e gastrônomo, como Carlo Petrini, fundador do “Slow food”, a quem o Pontífice chama de “piedoso” porque “tem piedade da natureza, uma atitude nobre” e “coerente consigo mesmo”. Unidos pelas raízes piemontesas comuns”.
Do encontro, ou melhor, dos três encontros em dois anos, de maio de 2018 a julho de 2020, nasceu “TerraFutura. Diálogos com Papa Francisco sobre ecologia integral“, livro a ser publicado em 9 de setembro que Petrini, também promotor da rede internacional de ecologistas “Terra Madre”, publica com a Editora Giunti-Slow Food. O Papa de 83 anos, com antepassados da região de Asti e o gastrônomo de 71 anos e escritor de Cuneo, da região Piemonte. O primeiro encontro foi realizado com a presença do Bispo de Rieti Domenico Pompili, com quem Petrini tem grande amizade por terem criado juntos as Comunidades “Laudato si’” para “dar vida” ao que Francisco propôs em sua encíclica.
O Bispo, que escreveu o prefácio, lembra que Francisco e Carlin, como ele é mais conhecido, nos diálogos identificam-se por “F” e “C”, “e são dedicados à Terra e ao seu futuro” e que deste confronto surgem caminhos “para uma ecologia que deixe de ser uma bandeira e se torne uma escolha”. O ponto de partida é o pensamento do Papa Francisco, que impressiona o agnóstico Petrini desde a escolha de fazer a primeira viagem como Pontífice a Lampedusa, “como sinal de solidariedade com os migrantes”, que investiga, e escreve na “Laudato si”, “o que está acontecendo com a nossa casa”.
No primeiro diálogo, em 30 de maio de 2018, três anos após a publicação da encíclica, que Carlo Petrini define como “poder extraordinário”, que “mudou o cenário do discurso ecológico e social”, Francisco fala da gênese da ‘Laudato si’”. Recorda que é fruto do trabalho de muitas pessoas, cientistas, teólogos e filósofos, que “me ajudaram muito a esclarecer”, e com o material deles, trabalhou “na composição final do texto”.
E explica que a primeira vez que se deu conta da “centralidade” do documento e “sua importância pelas questões abordadas”, foi no final de novembro de 2014, ao se encontrar com a então Ministra francesa do Meio Ambiente Ségòlene Royal em sua visita ao Parlamento Europeu em Estrasburgo. A Ministra, relata o Papa, mostrava “muito interesse” pelo texto, do qual se conhecia apenas a referência “aos temas da casa comum e da justiça social”. “É muito importante”, disse a Ministra ao Pontífice, e previu que seria “de grande impacto, estamos todos aguardando”.
Até então, confessa o Papa Francisco a Petrini, “não sabia que teria causado tanto clamor”
Ao responder a Petrini que lhe pede a confirmação de que sua atenção às questões ambientais “amadureceram com o tempo”, Francisco confidencia que “foi um longo percurso”, iniciado em 2007 em Aparecida, no Brasil, onde como cardeal arcebispo de Buenos Aires foi presidente da Comissão para a elaboração do documento final da Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Recorda bem “de ter sentido cansaço” com a atitude dos bispos brasileiros que em todas as ocasiões “falavam dos grandes problemas da Amazônia”, de suas “implicações ambientais e sociais”, e “não entendia esta urgência e insistência”. E também havia solicitações incessantes de colombianos e equatorianos, para incluir estas questões no documento final.
Desde então, comenta o Pontífice, “passou muito tempo e eu mudei completamente a percepção do problema ambiental”.
Se Petrini aponta que ainda acha difícil construir pontes de diálogo entre o mundo “crente” e o mundo “secular”, o Papa Francisco enfatiza que “a Laudato si’ é um ponto comum de ambos os lados, porque foi escrita para todos”. O diálogo, diz o gastrônomo-escritor, “não é uma opção moral”, mas “um método real”. E o Papa acrescenta que “é um método acima de tudo humano”. Não se trata, reitera, “de aplanar as diferenças e os conflitos, mas ao contrário de exaltá-los e ao mesmo tempo superá-los para o bem maior”.
Ao ler a encíclica, o fundador do “Slow Food” ficou fascinado com o valor dado às “boas práticas individuais” na “geração de mudanças virtuosas”. A mudança começa por nós, confirma Francisco, lembrando que “o dever do pároco é apagar a luz, sempre”, porque ele deve “guardar as ofertas para usá-las para a caridade”. Enquanto isso, observa, o terceiro item de despesa das famílias no mundo, depois dos alimentos e vestiário, é o cuidado do corpo, da beleza e a cirurgia estética, e o quarto é o animal de estimação. “A educação não aparece”, lamenta, e assim “é difícil falar de uma nova abordagem ecológica e de uma nova harmonia com o meio ambiente”.
A fim de encorajar as pessoas a agirem pessoalmente para a mudança, o Pontífice procura as palavras certas:
Neste ponto o Papa Francisco retorna ao conceito de ecologia integral, para explicar que a “Laudato si’” não é uma encíclica verde, não é um texto ambientalista. É antes de tudo uma encíclica social”. Porque nós, homens, “somos os primeiros a fazer parte da ecologia”, o homem e o meio ambiente não são separáveis.
Carlo Petrini lembra também do grande valor que a encíclica dá à biodiversidade, e o Papa esclarece que “é a herança que nos permite viver neste planeta”, uma riqueza inestimável, “mas nós, com nosso modelo produtivo e econômico, a destruímos como se não nos interessasse”. A Amazônia é um depósito de biodiversidade: a Petrini que lhe recordou do discurso feito em Puerto Maldonado e do reconhecimento do valor da espiritualidade e da cultura dos povos indígenas, Francisco fala de “inculturação”.
O Pontífice recorda das críticas recebidas pela sua declaração “precisamos de uma Igreja Amazônica” recordando também as críticas escandalizadas dos teólogos romanos a Matteo Ricci, o missionário jesuíta que queria “inculturar” o Evangelho na China, “aceitando também alguns rituais chineses”. “A Igreja não o entendeu – explica Francisco com decepção – fechando de fato as portas para o Evangelho na China”.
O primeiro diálogo se conclui com Carlo Petrini que elogia os missionários da Consolata e seu testemunho do Evangelho através de um hospital para os índios Yanomani, na Amazônia brasileira, sem proselitismo. Enquanto que o Papa Francisco recorda que foi Bento XVI, em Aparecida, que afirmou que “a Igreja cresce não pelo proselitismo, mas pela atração, ou seja, pelo testemunho”, condenando assim o proselitismo.
O segundo encontro ocorreu em 2 de julho de 2019, três meses antes do Sínodo dos Bispos para a Amazônia. O gastrônomo fundador do “Slow food”, que nessa ocasião receberia um convite para participar da assembleia como auditor, pergunta ao Papa o que ele espera do Sínodo, e Francisco responde: “que tenha um impacto clamoroso”. Porque “há necessidade de criar discussões férteis e profícuas”, “para colocar energias e ideias em circulação”. Ele nega que seja organizado o consentimento que “permitiria aos padres amazônicos se casarem”.
O Papa explica que Bispos e especialistas do mundo inteiro, e representantes da Amazônia discutirão sobre “os grandes temas de nossos dias”: “meio ambiente, biodiversidade, inculturação, relações sociais, migração, equidade e igualdade”. O Pontífice revela que também quis “convidar alguns padres e bispos um pouco conservadores” porque “se não houver opiniões diferentes o debate é estéril e há o risco de não dar nenhum passo adiante”. Há necessidade, explica ele, “do pensamento e dos recursos de todos”.
Os grandes temas a serem discutidos, lembra o Papa Francisco, são todos abordados no “Laudato si’”.
Petrini, promotor do “Terra Madre”, uma rede ecológica “de agricultores, pescadores, artesãos, cozinheiros, pesquisadores, nativos, pastores”, pergunta ao Papa como ele vê o movimento dos jovens nascido da menina sueca Greta Thunberg. Francisco aprova, e cita os slogans dos jovens, pois “o futuro é nosso e não seu”. Ele não se interessa em saber se Greta é “empurrada por outros”: se seu ativismo permite que milhões de jovens se mobilizem “só se deve se alegrar”. “Estou interessado na reação dos jovens – esclarece – além do futuro, eles devem tomar o presente para si”.
O diálogo se transfere para acusações de “bonomia excessiva” feitas contra o Papa Francisco pelo seu compromisso com a acolhida e a integração dos migrantes. O Papa cita Dom Quixote de Cervantes e explica que “não se deve responder nem ser intimidado, porque os ataques são o sinal de que está sendo feita a coisa certa”. Aos que dizem que “estou perdendo minha rota porque recebi os ciganos no Vaticano”, pergunta: “mas aonde este fechamento nos leva, o que nos espera? Vivemos em uma Europa que não tem mais filhos, que se fecha violentamente à imigração e esquece sua história de séculos de migração”.
Então de onde vem, pergunta Petrini, esta nova onda de racismo também em relação aos jovens atletas, filhos de migrantes, com insultos e desconfiança. Não somos mais capazes de empatia e proximidade? Para o Papa Bergoglio é uma tendência temporária, mas de qualquer modo preocupante…
No entanto, continua o Pontífice, na Itália muitas vezes são as mulheres estrangeiras, babás e cuidadoras, “as que transmitem a fé e a mantêm viva” com o exemplo. Uma diversidade que deve ser mantida. O Papa Francisco reitera sua oposição ao que ele chama de “globalização esférica”.
O gastrônomo Carlo desloca a atenção para os alimentos “um instrumento para construir pontes”, e Francesco lembra que para criar uma relação de amizade “é preciso comer juntos muitas vezes”, porque comer, sem espetacularizar o ato e sem colocar no centro a comida em si, mas a relação entre as pessoas, “atua como um meio de valores e culturas”. Segue uma saborosa troca de comentários sobre a união entre a cozinha piemontesa e argentina na família Bergoglio nos anos 40 e 50, com o adolescente Jorge Mario, que misturava “cappelletti” e “asado”, e depois “bagna cauda” e muita polenta.
Em favor do prazer da comida que “não é abundância, mas sobriedade”, o convidado agnóstico provoca o Pontífice, afirmando que “a Igreja Católica sempre mortificou um pouco o prazer, como se fosse algo a ser evitado”. O Papa Francisco não concorda e lembra que a Igreja condenou o “prazer desumano, vulgar”, mas aceitou o prazer “humano, sóbrio”.
Da comida ao cinema, o “trait d’union” é “A festa de Babette”, um filme que ambos adoram. “É um dos mais belos que já vi” confirma o Papa, “um hino à caridade cristã, ao amor”, que “consegue fazer com que se perceba aquele prazer divino por muito tempo foi sufocado erroneamente”. “Sou apaixonado pelo cinema”, confessa, e lembra que quando criança cresceu com o neorealismo italiano, três filmes de cada vez vistos com sua família.
O último encontro na Casa Santa Marta entre o Papa Francisco e Carlo Petrini foi no dia 9 de julho de 2020, e do Sínodo Pan-amazônico passamos à pandemia da Covid-19. O gastrônomo fala de sua participação na assembleia dos bispos como “uma experiência extraordinária”. “Vi uma Igreja diferente do que imaginei: uma Igreja com os pés no chão, muito viva”. Mas uma humanidade prostrada por esta emergência sanitária, acrescentou ele, precisa agora de palavras de esperança. E o Papa lembra que a humanidade é “pisoteada por este vírus e por tantos vírus que fizemos crescer”, “vírus injustos: uma economia de mercado selvagem, uma injustiça social violenta”.
Para encontrar esperança, para sair melhor desta crise, olhemos para as periferias, é o seu convite, “onde o futuro está em jogo”. Descentralizando. Para Francisco agora precisa…
Volta-se a falar do “Laudato si’”, com Petrini convencido de que com este “tumulto” a encíclica “é mais atual do que nunca”. Sim, confirma o Pontífice, “a consciência da Laudato si’ aumentou”. Os pescadores de San Benedetto del Tronto que no ano passado “me disseram” que haviam recolhido “seis toneladas de plástico em um único barco”, recorda, “tomaram consciência e entenderam que deveriam limpar o mar”. E aos petroleiros recebidos em 2019 que lhe explicaram que se o petróleo for deixado de lado agora “haverá uma segunda crise” como nos anos Trinta, ele responde que é verdade, mas “é preciso sabedoria para fazer as coisas devagar, sem tirar o trabalho. Porque o trabalho é como o ar em nossa cultura, sem trabalho, o homem é reduzido…”.
Petrini recorda que se todos “desejam uma mudança”, após a pandemia, infelizmente, há também uma tendência a retornar “aos mesmos valores de antes”.
O fundador do “Slow food” muda a atenção para os grandes profetas italianos do século passado, de Don Milani para Don Mazzolari, de Don Tonino Bello a Arturo Paoli, que “agora, felizmente – comenta o Papa Francisco – estão recuperados”, também graças ao Concílio Vaticano II. E o Papa lamenta, “um Concílio que ainda não foi aceito, depois de cinquenta anos, por muitas pessoas que tentam voltar atrás”. Estamos a meio caminho, as reações mais fortes, explica, vêm “de uma concepção do liberalismo econômico”, semelhante à “do Cristianismo da Teologia da Prosperidade”. Este não é o caminho certo. Na verdade, o caminho certo é o da Teologia da Pobreza”!
O Papa, portanto, volta a criticar os populismos, que “agarram-se ao povo usando uma ideia, semeando medo”, por exemplo a dos migrantes, e “alguns discursos de certos líderes políticos” realmente vão “na direção de um populismo perigoso”, próximo ao de 1932-33 na Alemanha.
O diálogo termina com uma referência ao Sínodo, ao documento “Querida Amazônia” e aos índios “molestados pela tecnologia e pelas multinacionais”. Descartados porque são povos “que não nos dão algo, que não produzem”. Descartados como “os idosos que são a sabedoria de um povo
Francisco justifica sua insistência no “diálogo entre idosos e jovens” com o fato de que “a geração atual de pais”, “com esta cultura de bem-estar, perdeu a memória de suas raízes, mas os idosos ainda a têm”. Se esses pais estão enfraquecidos pelo “bem-estar e consumismo”, a escola e a universidade têm a tarefa de “retomar as três linguagens humanas: a da mente, a do coração e a das mãos”. Mas em harmonia!”. Caso contrário “formará técnicos que talvez com o desenvolvimento serão substituídos pela inteligência artificial que não tem coração e não pode acariciar”.
A conclusão ainda é dedicada à educação. O Pontífice lembra de um “grande professor de filosofia” que dizia “se um homem não sabe brincar com as crianças, ainda não está maduro”. E que ele, como confessor, sempre perguntava aos pais: “Mas o senhor brinca com seus filhos?”.
Na segunda parte do livro, Carlo Petrini desenvolve e comenta os cinco grandes temas que ele distinguiu na “Laudato si’”, integrando-os com discursos e documentos do Papa Francisco. Da biodiversidade, com os capítulos II e IV de “Querida Amazônia”, passa à economia, com um trecho de “Evangelii Gaudium” e a carta do Papa aos movimentos populares de abril de 2020. Depois fala sobre migrações, com a mensagem de Francisco para o Dia do Migrante de 2019, de educação, com dois discursos do Pontífice, um dirigido em 2017 aos estudantes e ao mundo acadêmico, o outro a mensagem de 2019 para o lançamento do Pacto Educacional, e por fim, de comunidade, com o discurso à Comece em 2017 e a mensagem para as Comunidades Laudato si’ de 2019.
Fonte: Vatican News