A psicóloga Luciana Campos e o padre Douglas Alves Fontes, reitor do Seminário São José da arquidiocese de Niterói (RJ), decidiram realizar uma pesquisa na busca por tentar compreender melhor o momento vivido, no que diz respeito à formação sacerdotal, no contexto da pandemia do coronavírus.
Questionamentos sobre como manter o ritmo da formação neste ambiente, quais são os desafios e a interferência no processo formativo dos futuros padres foram feitos para, sobretudo, tentar destacar algumas luzes que a pandemia convidou a todos a enxergar e assumir.
“Neste artigo, recolhemos as respostas que recebemos na pesquisa e nos propomos a refletir sobre a missão formativa em tempos de pandemia. Veremos os desafios da continuidade da formação sacerdotal, em tempos desafiadores para todos. O artigo se apresenta como uma síntese do que refletimos e uma ante-sala do que queremos refletir”, explica Luciana.
”Em breve, um novo artigo será publicado, com um viés mais acadêmico. Contudo, achamos por bem publicar esta síntese, antecipando o que falaremos e já apresentando um primeiro fruto da pesquisa! Por isso, de antemão, manifestamos nossa gratidão a todos os seminaristas que se dispuseram a nos responder, os quais continuamos querendo acompanhar e formar nesse caminho tão significativo. Gratidão a todos os que nos apoiaram, ao longo da aplicação dos questionários!” disse o padre Douglas.
O religioso conta ainda que a quantidade de respostas foi algo inesperado. “Para nossa surpresa, em pouco mais de duas semanas, recebemos o retorno de 2.000 seminaristas de todo o Brasil, na pesquisa que girou em torno da vida deles, no contexto da pandemia. Tocava em diversos pontos: disciplina, vida de oração, vocação, alimentação, luto, estudos, relações…”.
Luciana contou ainda que o questionário teve um retorno de respostas com percentual muito significativo, que talvez compreenda perto de 50% dos seminaristas do Brasil. E detalhou que, dos que responderam, a maior parte veio dos formandos para o clero diocesano (92,1%), residentes nas regiões Sudeste (38,9%), Nordeste (30,2%), Sul (15,9%) e Centro-oeste (8%) do país. O maior grupo faz parte da etapa do discipulado (42,8%), seguindo-se os da etapa da configuração (34,9%) e do propedêutico (20%).
A pesquisa, feita com 2 mil seminaristas do país, apresentou que durante a pandemia a maioria foi para a casa de suas famílias (62,2%) e um segundo grande grupo permaneceu nos seminários (25,6%). O restante se dividiu entre casas paroquiais, conventos e alternando casa e seminário.
Diferentemente do que muitos poderiam pensar, os seminaristas que responderam ao questionário, em sua maioria, disseram que conseguiram ter privacidade dentro da própria família (71%). Este dado pode, segundo a pesquisa, dizer algo sobre a necessária independência do formando em relação a sua família.
Porém, estando em casa, outro desafio possível apresentado seria o enfrentamento dos conflitos familiares. 42,6% responderam que tiveram que enfrentá-los. Se para muitos de nós, a pandemia favoreceu um estado de elevação da ansiedade, a maioria dos seminaristas respondeu que seu estado emocional, nesse momento de pandemia, está normal (41,9%). Não obstante, um outro grupo se percebeu levemente ansioso (33%) e (8,1%) muito ansioso.
Na entrevista, (35,7%) dos rapazes responderam que sentiam o peso da solidão. A maioria (64,3%) afirmou que não sentia. Outro dado interessante, mas não novo, diz respeito ao uso das redes sociais. A entrevista revelou que (36,7%) dos seminaristas estavam usando a internet para redes sociais.
Um aspecto importante, indicado nos questionários, refere-se ao momento de profunda introspecção, propiciado pelo confinamento, e a questão vocacional (67,2%). Os rapazes admitiram que repensaram sua vocação, neste período. Apenas (30,8%) dos rapazes continuaram contando com o acompanhamento espiritual online, ao passo que (69,2%) ficaram sem esta possibilidade, ressaltando que este é um percentual muito próximo dos que admitiram questionar sua vocação.
Por outro lado, quando indagados sobre a presença dos formadores neste período, as respostas são mais animadoras, pois a maioria dos rapazes (89%) foram contatados pelos formadores, para interação social (25,6%) e também para a continuidade do trabalho formativo (74,4%).
Ao serem questionados sobre as maiores dificuldades, neste momento, as respostas são bem difusas e plurais: dificuldades para manter a rotina de orações (32,5%) aparecem seguidas de dificuldades pela falta de contatos sociais (22,1%), de manutenção da castidade (11,1%), por falta de direção espiritual (10,5%), dificuldades de assistir à missa online (7%), entre outros fatores. Outro desafio no momento refere-se à perda de entes queridos: (14,6%) perderam algum ente próximo e deste quantitativo, (31,9%) vêm demonstrando dificuldades em elaborar o luto.
A maior parte dos seminaristas brasileiros relataram que deram continuidade aos seus estudos, neste período, de modo remoto (86,7%), contrastando com um número menor que não tiveram oportunidade de fazê-lo (13,3%).
Um último dado destacado da pesquisa é o que diz respeito às relações. Dos seminaristas participantes, (53,5%) responderam que se sentiam bem, na relação com eles mesmos, enquanto (30,6%) disseram que se sentiam regulares, nessa relação. (8,2%) disseram que essa relação estava ruim. Já na relação com Deus, (43,7%) responderam que estavam vivendo uma boa relação, enquanto (32,1%) disseram que era uma relação regular. Na relação social, (45,9%) disseram que viviam uma boa relação e (36,4%) viviam uma relação regular.
Ao concluir o percurso, a partir da pesquisa, com 2000 seminaristas do Brasil, Luciana e padre Douglas puderam destacar algumas luzes que a pandemia convidou a todos a enxergar e assumir.
A primeira luz que encontram é uma experiência de maturidade que a pandemia pediu. “Um contexto, como este, pede presbíteros maduros e, por consequência, formandos que se empenham por uma maturidade humana e também espiritual”, diz um trecho da pesquisa.
Outra luz que a pandemia está oferecendo, sobretudo aos formandos, é a possibilidade de uma relação mais profunda, favorecendo o autoconhecimento, de tal maneira que o formando alcance “um satisfatório conhecimento das próprias fraquezas, sempre presentes em sua personalidade, tendo em vista a capacidade de autodeterminação e de uma vivência responsável.” (Doc. 110, n. 190b).
Neste mesmo caminho, a pandemia ofereceu a todos e, particularmente, aos formandos, um contato muito próximo das famílias. “Principalmente, isso ocorreu, como vimos na entrevista, porque a maioria dos seminaristas está passando a pandemia nas casas de suas famílias. Este contato pode ter sido muito proveitoso, para que os formandos consigam “relacionar-se, com sinceridade, com a própria família, sem apegos e dependências, nem rejeições e descompromissos, e sem perder as raízes sociais e culturais.” (Doc. 110, 190g)”.
Fonte: CNBB
Com informações do regional Leste 1
Foto de Capa: Monika Robak/Pixabay