Ipatinga, 19 de maio de 2024

Artigos de Formação

O Mistério da Cruz dentro da Ação Litúrgica

Nossos hábitos seculares numa sociedade que cada vez mais prioriza e determina a escolha do fugaz podem levar-nos hoje, infelizmente, a não captar a fundo a centralidade do mistério pascal na vida cristã, mesmo sendo ele tão patente na Escritura, na Tradição e na Liturgia. Isso acarretou na história cristã, inclusive nos tempos atuais, diversas correntes e mentalidades que acabaram distinguindo a ressurreição de Cristo separadamente de sua paixão, sua paixão e morte separadamente da sua ressurreição e uma e outra separadamente dos sacramentos.


Nesse intuito, a Igreja ensina-nos que a liturgia nos leva a compreender a grandeza do mistério pascal, em sua plena unicidade, e que se revela ao longo da história onde a morte e ressurreição do Cristo é reproduzida nas criaturas até o final dos tempos. Este mistério que estava oculto foi revelado como ensina o apóstolo São Paulo: “agora nos últimos tempos, revelou aos cristãos, em grau máximo na pessoa de Cristo” (Cl 1,26-27), ou seja, o mistério do Filho de Deus encarnado morto e ressuscitado, está na vida dos fiéis que saciam em plenitude, pela fé, daquilo que é essencial para todo o campo litúrgico.


A beleza do mistério pascal que vem de Deus e leva-nos a Ele, na liturgia se expressa sob o véu dos sinais sensíveis. Todo sinal dentro da liturgia é uma expressão sensível daquelas relações com existência real marcada pela invisibilidade do que é secreto e escondido entre Deus e a humanidade quando toca o regime da graça, em Cristo.


Entre vários sinais, a cruz é o símbolo primordial para todos os cristãos e, segundo o Ritual de Bênçãos, “ela ocupa, entre as imagens sagradas, o primeiro lugar como preciosa e vivificante, pois é o símbolo de todo o mistério pascal”. Deste modo, a cruz se revela como sinal concreto da expressão máxima do amor de Deus e os fiéis, tendo-a voltada para si nas celebrações litúrgicas são chamados a entrar neste mistério celebrado.


Na cruz, podemos contemplar a graça santificadora de todo homem e o próprio culto que o homem presta a Deus em Cristo. Nas palavras de Santo Tomás de Aquino podemos dizer: “o homem não é santificado e não presta culto a Deus senão enquanto é colocado em contato com o Gólgota e participa do Gólgota”.


A cruz com a imagem do corpo de Jesus crucificado tem seu valor artístico, autêntico e traduz tamanha importância como sinal sagrado na liturgia da vida das comunidades cristãs e se torna nobre nos lares de diversas famílias, pois nutre a fé e a piedade do povo na paixão de Cristo e o seu triunfo sobre a morte e que, por outro lado, corresponde à verdade do seu significado e ao que se destina, a sua vinda gloriosa, como ensinaram os Santos Padres.


Portanto, a cruz em toda a liturgia nos leva a um encontro com aquele que se sacrificando se faz alimento na ceia pascal para cada um de nós. Com a alegria de discípulos compreendemos a Missa no mistério da cruz e ceamos o Banquete do Cordeiro ao comungarmos daquele que se faz alimento pela nossa salvação e nos chama à missão enquanto batizados, para revelar ao mundo a força de sua ressurreição.


Antes do Concílio Vaticano II, o livro Cerimonial dos Bispos prescrevia que a cruz fosse visível a todos e os fiéis pudessem se posicionar de modo a voltar-se para o altar. Assim, frente ao altar e para a cruz litúrgica estava dirigida toda a assembleia dos fiéis juntamente com o sacerdote. Com a reforma litúrgica, a cruz com a imagem do crucificado, conservando a beleza do patrimônio artístico, manteve-se, segundo a Instrução Geral sobre o Missal Romano, como sinal sensível, sendo colocada de forma visível no presbitério ou na lateral do altar, a fim de que todo o povo reunido recorde a Paixão salvífica do Senhor e possa participar de forma “plena, ativa e consciente”, conforme pede o documento conciliar.


A nova edição do Cerimonial dos Bispos, adaptado às normas do Concílio Vaticano II, instrui que a cruz processional seja colocada junto ao altar “de modo que seja a própria cruz do altar”. Caso exista já uma cruz no presbitério, recolhe-se a da procissão até o término da missa.


A cruz, no ambiente da Igreja e na vida dos fiéis, tem a sua devida importância e aponta ainda o Ritual de Bênçãos: “Tendo em conta as circunstâncias do tempo e do lugar, com razão os fiéis erigem publicamente a cruz, para que seja testemunho da sua fé e sinal do amor de Deus para com todos os homens”.


Reiteramos que o crucifixo na liturgia deve ser sempre visível ao povo, pois a mesma está em profunda sintonia não com aquele que preside e sim, com o altar que é mesa do sacrifício.


Dom Peter Elliot, em seu manual de liturgia ensina que “O crucifixo litúrgico não é voltado em primeiro lugar à devoção privada do celebrante, mas é, antes, um sinal no meio da assembleia eucarística, proclamando que a missa é o próprio sacrifício do Calvário”.


As diversas normas que a Instrução Geral do Missal Romano nos oferece, revelam de forma pertinente a singularidade da cruz litúrgica com a obrigatoriedade de ter fixo a ela, o corpo de Cristo Crucificado e a sua visibilidade para contemplação dos fiéis reunidos em assembleia como Povo de Deus. Essas normas não nos conduzem a um rubricismo, mas a partir de uma fé madura, permite que o cristão deixe que o mistério fale e expresse por si a própria realidade celebrada. Deste modo, essas normas nos guiam também com instruções flexíveis como: o crucifixo, pode ser posto de forma fixa atrás do altar, ou móvel acima dele; dar a maior atenção a cruz processional na celebração eucarística, pois a mesma está diretamente relacionada com o altar; ter um crucifixo maior, mas móvel e sobre um suporte, colocado ao lado do altar. Em todas estas formas deve se destacar a revelação da nobreza da cruz nas ações litúrgicas.


Por fim, o crucifixo dignamente visível para todos os fiéis em celebrações e bem compreendido, deve ser um dos sinais frutuosos da vida litúrgica em nossas comunidades e com humildade e devoção conduzir-nos sempre mais ao um encontro, daquilo que é eterno, dentro do mistério celebrado.


Padre Efferson Andrade

Assessor Diocesano de Liturgia – Diocese de Itabira / Cel. Fabriciano


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