“Uma solidariedade guiada pela fé nos permite traduzir o amor de Deus em nossa cultura globalizada, não construindo torres ou muros que dividem e depois desabam, mas tecendo comunidades e apoiando processos de crescimento verdadeiramente humanos e sólidos.”
Jackson Erpen – Vatican News
“Ou seguimos em frente pelo caminho da solidariedade ou as coisas irão piorar. Quero repetir: de uma crise não se sai como antes. A pandemia é uma crise. De uma crise, sai-se melhor ou pior. Temos que escolher. E a solidariedade é precisamente o caminho para sair melhores da crise”.
Não na Biblioteca do Palácio Apostólico como vinha sendo realizada desde março devido à pandemia, mas no Pátio São Dâmaso, que costuma testemunhar o juramento dos novos recrutas da Guarda Suíça e a chegada de presidentes acompanhados de suas delegações.
Na primeira Audiência pública desde o início da pandemia (a última com presença de público foi em 27 de fevereiro), Francisco demonstrava alegria pelo reencontro com os fiéis, que tiveram a oportunidade de acessar o local entrando pela Porta de Bronze. Algo inédito até então. Logo ao descer do automóvel sob aplausos, o Santo Padre, mantendo o distanciamento social, conversou com vários fiéis que se aglomeravam junto às divisórias, usando máscaras. Um dos momentos tocantes deste reencontro, foi quando um sacerdote libanês lhe apresentou uma bandeira do País dos Cedros. Ele segurou-a, beijou-a, fazendo uma oração pelo país abalado pela explosão no porto de Beirute e por uma grave crise político-econômica.
“Depois de tantos meses retomamos nosso encontro face a face, e não ‘tela a tela’, mas face a face”, disse o Papa com alegria ao iniciar sua catequese, sendo aplaudido pelos presentes.
E foi a eles – e a quem o acompanhava pelos meios de comunicação – que o Pontífice dedicou a quinta catequese da série “Curar o mundo”, intitulada “A solidariedade e a virtude da fé”.
“A atual pandemia – começou dizendo Francisco – pôs em evidência a nossa interdependência: estamos todos ligados uns aos outros, tanto no mal como no bem. Por conseguinte, para sairmos melhores desta crise, devemos fazê-lo juntos, juntos, não sozinhos. Sozinhos porque não se consegue. Ou se faz juntos ou não se faz. Devemos fazê-lo juntos, todos nós, em solidariedade. Gostaria de sublinhar esta palavra, solidariedade”.
“[ Por conseguinte, para sairmos melhores desta crise, devemos fazê-lo juntos, juntos, não sozinhos. Sozinhos porque não se consegue. Ou se faz juntos ou não se faz. Devemos fazê-lo juntos, todos nós, em solidariedade. Gostaria de sublinhar esta palavra, solidariedade.]”
“Como família humana – explicou – temos uma origem comum em Deus; vivemos em uma casa comum, o planeta-jardim no qual Deus nos colocou; e temos um destino comum em Cristo. Mas quando esquecemos tudo isso – chamou a atenção – nossa interdependência torna-se a dependência de uns em relação aos outros”, aumentando a desigualdade e a marginalização; o tecido social se enfraquece e o meio ambiente se deteriora.
Neste sentido, como ensinado por São João Paulo II na Encíclica Sollicitudo rei socialis, o princípio de solidariedade torna-se mais do que nunca necessário, pois mesmo vivendo numa mesma “aldeia global”, onde tudo está interligado, nem sempre transformamos em solidariedade esta interdependência. “Há um longo caminho entre a interdependência e a solidariedade: os egoísmos – sejam individuais, nacionais e dos grupos de poder – e as rigidezes ideológicas, alimentam «estruturas de pecado»”.
A palavra “solidariedade” – sublinhou Francisco – “significa muito mais do que alguns atos esporádicos de generosidade, é muito mais, supõe a criação de uma nova mentalidade que pense em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Isso significa solidariedade. Não é só questão de ajudar os outros, isso é muito bom fazer, mas é mais. Trata-se de justiça”. E para ser solidária, dar frutos, a interdependência “tem necessidade de fortes raízes no humano e na natureza criada por Deus, tem necessidade de respeito pelos rostos e pela terra”.
O Pontífice recorda então as advertências da Bíblia desde o início, citando para tal a Torre de Babel, narrada no Livro do Gênesis, que descreve o que acontece quando buscamos alcançar o céu – nossa meta – ignorando a ligação com o humano, com a criação e com o Criador. Isso acontece cada vez que alguém quer subir, subir, subir, sem levar em consideração os outros:
“Construímos torres e arranha-céus, mas destruímos a comunidade. Unificamos edifícios e línguas, mas mortificamos a riqueza cultural. Queremos ser senhores da Terra, mas arruinamos a biodiversidade e o equilíbrio ecológico.”
Para ilustrar esta “síndrome de Babel”, fala de um conto medieval em que, durante a construção de uma torre”, ninguém se lamentava se caía e morria um homem, mas sim se caía um tijolo, pois custava e demandava tempo e trabalho para fazê-lo:
“Um tijolo valia mais que uma vida humana. Cada um de nós pense noq eu acontece hoje. Infelizmente, algo semelhante pode acontecer também hoje. Alguma queda no mercado financeiro – vimos isso nos jornais nestes dias – é notícia em todas as agências. Milhares de pessoas caem por causa da fome, da miséria, e ninguém fala nisso.”
Neste sentido, para não repetirmos o drama da Torre de Babel, que só gerou ruptura e destruição em todos os níveis, o Senhor nos convida a criar raízes no evento de Pentecostes, que descendo do alto como vento e fogo sobre a comunidade reunida no cenáculo, “infunde sobre eles a força de Deus, os impele a sair e a anunciar a todos Jesus Senhor”:
O Espírito cria unidade na diversidade, cria harmonia. O outro não é um mero instrumento, mera “força de trabalho”, mas participa com tudo de si na construção da comunidade. São Francisco de Assis bem o sabia e animado pelo Espírito deu a todas as pessoas, ou melhor, a todas as criaturas, o nome de irmão ou irmã.
No Espírito Santo – enfatiza o Papa – Deus se faz presente com a força do seu Espírito Santo, que inspira a fé da comunidade unida na diversidade e na solidariedade:
“Uma diversidade solidária possui os “anticorpos” para que a singularidade de cada um – que é um dom, único e irrepetível – não adoeça com o individualismo, com o egoísmo. A diversidade solidária também possui os anticorpos para curar estruturas e processos sociais que se degeneraram em sistemas de injustiça, em sistemas de opressão. Portanto, a solidariedade hoje é o caminho a percorrer em direção a um mundo pós-pandemia, para a cura de nossas doenças interpessoais e sociais. Não há outro. Ou seguimos em frente pelo caminho da solidariedade ou as coisas irão piorar. Quero repetir: de uma crise não sai como antes. A pandemia é uma crise. De uma crise, sai-se melhor ou pior. Temos que escolher. E a solidariedade é precisamente o caminho para sair melhores da crise, não com mudanças superficiais, com uma pintura por cima e tudo está bem. Não. Melhores!”
“Em meio a crises, uma solidariedade guiada pela fé nos permite traduzir o amor de Deus em nossa cultura globalizada, não construindo torres ou muros – e quantos muros estão sendo construídos hoje – que dividem, mas depois desabam, mas tecendo comunidades e apoiando processos de crescimento verdadeiramente humanos e sólidos. E para isso ajuda a solidariedade.”
“Eu faço uma pergunta: eu penso nas necessidades dos outros? Cada um responda em seu coração.”
Em meio a crises e tempestades – disse o Papa ao concluir – o Senhor nos interpela e nos convida a despertar e ativar essa solidariedade capaz de dar solidez, sustentação e um sentido a essas horas em que tudo parece naufragar. Que a criatividade do Espírito Santo nos encoraje a gerar novas formas de familiar hospitalidade, de fecunda fraternidade e de universal solidariedade.
Fonte: Vatican News