Quem passa “uma temporada” da vida no Pará, ao retornar pra casa pode ter a impressão de que deixou algo essencial para trás – talvez a sua gente, que fica entranhada no ser da gente; talvez aquela boca seca ansiando o desejo de um suco gelado de açaí, buriti ou cupu (cupuaçu). E aquele sotaque, que nas noites quentes, sem energia elétrica, sentados no passeio, soa como cantiga – cuja partitura parece ter sido genuinamente escrita por Deus, ou por seus anjos, sei lá.
É um outro mundo dentro do Brasil. Um mundo lindo, muito diverso em todos os sentidos – de surpreender qualquer nascido nas Minas Gerais. Pode ser difícil reconhecer em tão diferente cultura, em traços e faces tão marcantes… esta inquietante palavra “irmãos”. Inquieta mesmo! Sobretudo se a busca for por similaridades, tirando isso, é tanto aconchego que a gente se sente em casa.
A humildade e a trajetória de labuta fazem dessa gente braços abertos no reconhecimento das carências e dificuldades uns dos outros. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza – é como um casamento: tem-se que caminhar de mãos dadas.
Se você entrar no site da Prefeitura de Afuá, vai ver umas imagens lindas no banner principal. Parece um paraíso. Se você for um pouco mais curioso, vai lá, na parte que fala sobre o turismo e, surpresa(!), encontrará esta informação: “Afuá localiza-se em uma região de várzea e, por isso, toda a cidade é suspensa em palafitas. Inclusive as ruas! Nosso meio de transporte é o Bicitáxi, veículo não motorizado de quatro rodas montado a partir da junção de duas bicicletas”.
Uma cidade suspensa em palafitas!
Os números da desigualdade
Na primeira reportagem desta série, falamos sobre a dificuldade de acesso a Afuá, localizada no estado do Pará, na Ilha do Marajó. São mais de 3 mil km de Minas Gerais até Amapá, capital mais próxima deste município paraense que tem uma população estimada de 39.218 pessoas (IBGE).
Embora belezas possam ser vistas em quase toda parte, também o que não é tão belo a gente encontra em quase todo lugar. Os desafios nesse município são muitos. Os números dão conta das dificuldades.
Para se ter uma ideia, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/2017) apontam, no quesito Trabalho e Rendimento, que apenas 6,6% (2.506 pessoas) da população exercia algum tipo de trabalho remunerado (formal ou não). O salário médio dos trabalhadores formais, com carteira assinada, era de 1,9 salários mínimos. Mas o que chama a atenção é o percentual da população que vive com rendimento mensal per capita de até ½ salário mínimo: 55,3%.
Quando o assunto é Educação, as impressões também assustam: 27,76% da população acima de 15 anos é analfabeta. (Dados comparativos: João Monlevade, 3,87%; Ipatinga, 4,66%; Itabira, 5,96%). Em 2018, apenas 1057 pessoas foram matriculadas no Ensino Médio. O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em Afuá, referente ao ano de 2017, foi de 3,3 (numa escala de 0 a 10). Este indicador é usado para ‘medir’ a qualidade do ensino. É calculado através do rendimento escolar (aprovação) e das médias de desempenhos nas avaliações da Prova Brasil (para os municípios).
Outro indicador que dá mostras da precária situação nesta área é o da Expectativa de Anos de Estudo. Ele indica o número de anos de estudo que uma criança (ingressada na vida escolar na idade referência, 4 anos pré-escola e 6 anos ensino fundamental) deverá completar até atingir os 18 anos. Em Afuá, esta frequência na escola chegou a 6,59 anos, em 2010; período curto se comparado, por exemplo, com as cidades de Itabira, 9,65 anos, e João Monlevade, 10,27 anos.
O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Afuá também é considerado muito baixo. Usado para medir o “bem-estar” de determinada população, a partir das três dimensões básicas para o desenvolvimento humano (renda, saúde e educação), ele é mensurado numa escala de 0 a 1, sendo a deste município de 0,489 – valor bem inferior ao de Itabira, 0,756, e ao de João Monlevade 0,758 – considerados IDH médios.
Trabalho Infantil: em 2010 (IBGE), 81,5% das pessoas com idade de 10 a 17 anos desenvolviam algum tipo de atividade; 66,2% delas na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura.
Mortalidade Infantil: a taxa de mortalidade infantil no município é de 16,53 mortes a cada mil nascidos vivos. O valor considerado aceitável pela OMS (Organização Mundial da Saúde) é de 10 óbitos para cada 1000.
Território e Ambiente: apenas 3,2% dos domicílios possuem esgotamento sanitário adequado e 0% dos domicílios urbanos em vias públicas possuem urbanização adequada – como presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio.
Pobreza e Desigualdades:
Ainda sobre pobreza, no Sistema de Informações de Indicadores Sociais do Estado do Pará, em 2010, 70% da população do município vivia abaixo da linha da pobreza – a maioria na zona rural. E conforme perfil divulgado no Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil, temos:
Renda, Pobreza e Desigualdade – Município – Afuá – PA | |||
1991 | 2000 | 2010 | |
Renda per capita | 139,09 | 147,25 | 163,98 |
% de extremamente pobres | 35,99 | 32,71 | 45,65 |
% de pobres | 70,69 | 67,95 | 64,88 |
Índice de Gini | 0,47 | 0,49 | 0,66 |
Fonte: PNUD, Ipea e FJP
Os dados apontam que há muitos de nossos irmãos e irmãs sobrevivendo em condições que fogem aos requisitos mínimos para se viver com dignidade. É uma questão para se pensar…
No primeiro ano (2016) da Campanha Natal sem Fome: Quem tem fome, tem pressa!, foram arrecadados cerca de R$ 44.500,00, o suficiente para atender 341 famílias de Afuá. Nos anos seguintes, 2017 e 2018, este número dobrou – conforme tabela abaixo:
(*) Cálculo baseado no valor de R$3,00 de um almoço em restaurante popular em Belo Horizonte/MG – 2019.
(**) Valor estipulado como meta de arrecadação da 4ª edição da campanha em 2019.
Fonte: Dados publicados no material da Campanha Natal sem Fome: Quem tem fome, tem pressa! – projeto e prestação de contas
A expectativa de arrecadação para 2019 faz jus ao cenário nacional. A persistente crise, que atinge sobretudo os mais pobres, afetou significativamente outras parcelas da população. O número de desempregados no Brasil, registrados pelo IBGE (trimestre encerrado em julho/2019), foi de 12,6 milhões de pessoas. Já o número de trabalhadores sem carteira assinada chegou a 11,5 milhões. E os trabalhadores por conta própria atingiu a marca dos 24,2 milhões.
Diante de uma realidade como esta, mesmo o sonho de alimentar centenas de pessoas deve levar em consideração alguns números. A meta de arrecadação da Campanha para este ano é de R$ 90.000,00. Dinheiro suficiente para atender 881 famílias dos municípios beneficiados (Afuá e Chaves).
A Campanha vai até o dia 20 de dezembro e as doações podem ser feitas por depósito ou transferência bancária:
E por meio de Envelopes Personalizados:
E para encerrar a segunda reportagem da série, transcrevemos um trecho do artigo “Especial Gratidão”, de Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da CNBB:
“A vida deve ser instrumento para promover o bem, a defesa incondicional e o devotamento a cada pessoa, ao próximo, nos insubstituíveis parâmetros da fé cristã. A vida ganha mais valor quando se consegue considerar mais importante o outro, mesmo o diferente, que pode surpreender por ser novidade, até mesmo quem parece ou se faz inimigo. Aí reside, sem dúvida, o ouro da vida(…): o serviço prestado ao povo. Considerar o outro como mais importante é recordar o princípio de que Deus amou primeiro a cada um, e não foi ninguém que primeiro O amou. Esse princípio causa permanente desconcerto a qualquer tipo de preconceito, discriminação ou maledicente tratamento. É holofote que deve iluminar o tempo fugidio, a herança que se deixa, as labutas, os pesos carregados, as sementes plantadas e os frutos colhidos. E cada história de vida constitui uma herança a ser cuidada, usufruída na gratidão para ser semente do novo que sempre vem.”
*Na próxima reportagem da série, “Quem tem fome, tem pressa”, você vai conhecer um pouco da realidade do município de Chaves.
Faça parte desta campanha!
A sua ajuda, pelas mãos do Senhor, é graça na vida dos nossos irmãos.
Fotos: Bruno Walter Caporrino e Internet/Google